F

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Um caso de quase amor.

Ela não entendia. Se era amor o que ele dizia sentir, então por que tudo acabou? Por que de uma hora para a outra, tudo aquilo que eles construíram durante dois anos se desfez como papel molhado, deixando apenas dúvida e angústia? Não podia ser, não fazia o menor sentido. Amor não se acaba, amor dura para sempre, não é isso que todos dizem? Sempre. Essa palavra doía. O que aconteceu com o ‘eu te amo pra sempre’, ou ‘eu nunca vou te abandonar’? Onde estava aquele menino que ela confiara a vida, que a abraçava quando ela sentia medo, e dizia que a amava? Amor. Por vezes tão simples, e em outras tão complexas e confusas... Ela pensou, e decidiu que o amor podia ser dividido em apenas dois tipos: ou ama, ou não ama. Mas não é assim que acontece. A vida não é um conto de fadas onde um príncipe num cavalo branco diz que te ama e vocês vivem felizes para sempre. Infelizmente o amor não se limita a apenas amar ou não. Existem casos e casos. Você ama e ele não. Ele ama e você não. Os dois se amam, mas ainda não sabem. Ah, tantas hipóteses, tantas combinações. E o que fazer quando se achava que era amor, mas simplesmente não era, e antes que você perceba, ele já foi embora, sem deixar telefone, endereço ou dizer quando voltava – e se voltava? Pois bem, pense comigo: se era amor, não teria terminado. E o que era então? Então quer dizer que esses dois anos não significavam nada? Ela sentia como se tudo o que ela viveu com ele tivesse sido escrito à lápis, e agora alguém estava apagando toda a sua história sem pedir permissão. Não, não chegava a ser amor. Como ela podia simplificar tudo aquilo em uma palavra, se ela mal podia compreender? E os abraços, os beijos? Eram todos falsos? E as palavras confortadoras, os conselhos mudos, e as piadas secretas? Tudo tinha acabado, sumido, desaparecido, evaporado. Então era isso. As pessoas se apaixonam, acham que é amor. Num determinado momento percebem que não é, e vão embora. Por vezes, essa decisão é aceita por parte dos dois. Em outras, talvez, só um dos dois tem certeza do que está fazendo, deixando o parceiro confuso e solitário. Um caso de quase amor. Era isso que descrevia toda a situação. Um intermediário entre a paixão, e o amor. Maior que a paixão, porém mais fraco que o amor. Um quase amor. Pois se fosse amor, não teria acabado. Ou teria?

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Lembranças ensolaradas.

Ela estava testando seu material escolar na primeira folha do caderno. Usara o lápis para fazer uma nuvem, a caneta rosa para o vestido da menina, e quando deu por si, já tinha usado tanto seus lápis de cor, que eles já precisavam ser apontados. No meio do desenho, escreveu a data. E inevitavelmente, o ano estava errado: tinha escrito o anterior. Era o pretexto que ela precisava para usar o seu corretivo. Já tinha aberto o corretivo quando parou no meio da ação. Ok, podia ser um pensamento infantil e sem lógica, mas ela desistiu do que ia fazer. Sem saber direito por que, se sentiu triste. Como assim, ela quase apagara seu passado? Tá bom, não iria apagar o passado, na verdade. Mas foi isso que pareceu. Deitou na cama, e continuou desenhando no caderno. Aos poucos, foi lembrando de tudo que tinha ocorrido no ano que passara. Como num filminho dos anos 60, suas lembranças iam vindo, devagar e em preto e branco. Fechou os olhos, e como num passe de mágica, estava lá: seu primeiro dia de aula. Uma das coisas que ela sabia que não seria fácil esquecer foi o reencontro com a sua melhor amiga. Daniela tinha viajado, e fazia dois meses que elas não se viam. Elas se falavam praticamente todos os dias pelo telefone, mas não dá pra contar tudo quando se tem gente ouvindo, né? Elas sempre terminavam as conversas com ‘ah, a gente precisa se ver’. No primeiro dia de aula, ela entrou na sala a procura da amiga. Viu seu fichário, e perguntou: ‘a Dani já chegou?’, ‘Já’ alguém respondeu. Ela saiu a procura da amiga; precisavam tanto se falar! Foi quando ela a viu, e gritou ‘DANI!’. Ao ouvir aquilo, Daniela saiu correndo na direção dela para abraçá-la. Foi um daqueles momentos que ah, não dá pra explicar.
Ela abriu os olhos, e mirou seu desenho. Aquele desenho a lembrava de suas férias. E que férias! Uma das melhores. Tinha viajado pra sua casa de praia, com amigos e primos. Seu atual melhor amigo era na época, digamos, a última pessoa que ela queria passar as férias. Mas tudo não passara de um mal entendido (daqueles bem grandes: um amigo disse para o outro, que disse para o outro, que contou para o vizinho, que acha que... aqueles boatos que ninguém sabe da onde surgiu), e no primeiro dia, passaram duas horas conversando, coisa que até o momento era inédita. No segundo, passaram horas adentro da madrugada jogando uno, acordando os seus pais por causa das risadas altas, derrubando miojo uns nos outros, e às vezes até, por que não, fazer uma fogueira às cinco horas da manhã na praia sem que ninguém saiba. Largou seu caderno e ligou o rádio. O CD da sua banda preferida estava ali dentro, e então lembrou do primeiro show. Estava MUITO quente, tinha MUITA gente, o lugar era MUITO pequeno, mas valeu MUITO à pena! Ela estava ouvindo as suas músicas, cantadas pela sua banda, nada mais perfeito. Voltou a deitar na cama, e ia lembrando-se das coisas, agora com um pouco mais de cor e vivacidade, mas ainda devagar. Seu aniversário tinha sido no mínimo, fora do comum. Ao em vez de comemorá-lo, foi à festa de uma amiga, que fazia aniversário junto com ela. Lembrou também das várias idas ao cinema, das tias/tios vindo brigar porque não, nós não podíamos fazer guerra de pipoca no cinema, do tiozinho gay sempre falando ‘identidade, por favor’, das brigas que acabavam em risadas, das inúmeras piadas internas...
Lembrou de quando ela se perdeu na sua própria cidade, de quando um bêbado na bicicleta a seguiu. Lembrou de quando ela viu que o banco do McDonald’s estava com tinta fresca, mas não avisou e as meninas sentaram e se sujaram de amarelo. Tinha tantas lembranças, tantos momentos. Tinha tanto o que agradecer, a tanta gente! Nesse ano que passara, ela conheceu pessoas, começou falar com quem não ia com a cara, parou de falar com uma pessoa que ela julgava ser uma amiga confiável, conheceu pessoas pela internet graças a um vício por uma banda em comum, e hoje sem dúvidas nenhuma, conta muito com cada uma delas. Esse era o último ano na escola que ela estudara fazia cinco anos. Por mais que ela lutasse pra não pensar sobre, era um ano de despedida. Alguns, é claro, manteriam contato, pois existem amizades que nem 1531546954 quilômetros separam. Mas sem dúvidas, era um ano de despedida. Riu com carinho da promessa que fizeram de se encontrar em 2015. Lembrou – e com essa lembrança, vieram lágrimas, quentes, juntas e aos montes – do dia da sua formatura. Os discursos tinham sido tão bonitos e emocionados. Ela, é claro, chorou com todos eles. Lembrou da ‘nossa diretoria’, das meninas super poderosas. Tantas piadas internas! A viagem de formatura tinha sido tão especial, e todos choraram muito na última noite. Aquele sentimento de fim, aquele pensamento de ‘é, ta acabando’, aquela vontade de mais. Era tão bom e tão ruim ao mesmo tempo. Com certeza, tinha sido bom viver tudo aquilo. Mas será que se adaptaria a uma nova escola? Novos amigos? Novas piadas, novos conselhos? Será que encontraria alguém que aceitasse as suas loucuras, tais elas como ir a um parque temático com plaquinhas de abraços grátis?
Ela levantou, e se espreguiçou. Tinha cochilado, em meio a tantos pensamentos. Sentou na frente do computador, e viu seus amigos online. Sabia que não seria a mesma coisa, mas isso não era um fim, talvez um até logo. Ela teria que continuar, e sabia que sempre que precisasse, eles estariam ali, pra tudo. Chega a ser clichê o fato de todos dizerem isso no final de cada ano, mas aquele com certeza tinha sido o melhor. Ela tinha aprendido mais, e como conseqüência, errado mais. Abraçou, amou, beijou mais. Viveu cada momento intensamente, como se cada segundo fosse único. Se ela se arrependia de algo? Não das coisas que tinha feito. Por mais erradas que algumas possam parecer, foi com elas que ela aprendeu. Se tivesse que se arrepender, se arrependeria de não ter sorrido mais, não ter brincado e até chorado mais. A vida é passageira, então devemos aproveitar cada momento como se não fossemos ter outra oportunidade de fazê-lo. O que por um lado, não deixa de ser verdade.
Olhou pro caderno abandonado na cama, e o corretivo no estojo. Sem riscar o ano que estivera errado, escreveu o correto ao lado. Sorriu, e foi pro seu blog escrever sobre tudo o que tinha pensado, lembrado e revivido naquele dia.